Foram três meses em espera,
mas os quais roda girou veloz. Tão acelerada que em meio aos afazeres
rotineiros nem me dei conta que o tempo assim passava. Os primeiros
preparativos para a nossa acolhedora sede se deram, tivemos de fazer água
brotar da terra, de lugares que quanto mais profundos, mais límpidos. Passamos
lá a nossa primeira noite, junto à floresta e em companhia de tantos seres que
ali nos abençoavam, foi também tempo de colocar a semente na terra e pedir que
os muros de proteção se ergam firmes através delas. Muitos sonhos, muitas
coisas para realizar e o prazer de trabalhar em algo realmente gratificante.
Em meio a todas estas coisas, a roda girou e
quando me dei conta já era a semana de mais um festival, e para mim não seria
somente mais um giro da roda este, mas uma comemoração especial, apesar da
bruxaria ser o caminho de uma vida toda, era hora de festejar um marco, era
mais um passo de uma longa estrada em busca de consciência, os meus três anos
na casa que tantas boas coisas havia me dado, a começar pelo acolhimento, pela
sensação de ser "mi hogar", pelo aprendizado, pela chance de conhecer
realidades que não sabia existirem, enfim, meu sentimento era de grande alegria
por todas as coisas então vivenciadas neste período, que cronologicamente é tão
curto, na verdade, mas que em termos de experiências de vida foi tão intenso e
gratificante.
E ao longo da semana que antecedia o ritual eram
estes os pensamentos que povoavam minha cabeça, tantas lembranças das coisas
vividas, dos momentos de aprendizado, da forma como a minha visão de mundo
mudou, das batalhas interiores que eu travei comigo mesma e também das batalhas
com o mundo, dos questionamentos sobre os meus reais valores, sobre o que de
verdade é importante e sobre as coisas que por fim não fazem a menor diferença
na jornada de ninguém, eram também as lembranças das vezes onde o ego tenta nos
derrubar e grita alto conosco, das vezes onde a gente precisa se manter firme
num propósito, entender os próprios defeitos, reconhecer seus potenciais, todas
essas coisas parte de um processo de transformação interior tão profundo, que
mudou meu coração, mas que se deu de uma forma tão suave, em meio a tantas
realidades que me foram apresentadas, que só me dou conta de tudo isso,
realmente quando paro para refletir porque houve tanta beleza e tanto
conhecimento até aqui, que qualquer dificuldade acaba irrelevante diante disso.
Resumiria tudo na primeira lição que tive da rainha, onde ela me dizia
"mantenha seu coração puro". Nestes anos, o coração puro se tornou um
coração forte.
E com força e fé, os preparativos na semana do
festejo foram muitos. Era a mala para fazer, os objetos especiais para levar, a
dificuldade em encontrar alguns itens, a ansiedade pela chegada e a desta vez,
a preparação especial sem alimentação por três dias. Desafio especial ficar sem
comida num festival onde os pratos típicos são o destaque. No segundo dia de
dieta já me sentia completamente etérea e me resignei pensando em que se há
quem consiga ficar sete dias sem alimento, não seria eu que iria ficar
reclamando por ficar três.
Chegada à sexta-feira, a vontade de estar com
todos só fazia aumentar e as horas durante o trabalho demoraram a passar,
quando enfim saímos na caída da noite, mal podia esperar para rever as pessoas
e comemorar. Já no caminho encontramos com dois fraternos e que bom poder
partilhar de suas companhias. Coração alegre, alma leve, a fome do corpo físico
passou completamente porque a fome da alma estava sendo saciada. Demoramos a
chegar, nos perdemos, contratempo com a chuva forte e com o escuro da noite,
mas nada era capaz de nos fazer perder o bom humor.
Era tarde da noite quando finalmente chegamos ao
sítio e sem mais demoras o vinho da alma nos foi servido, em medidas
diferentes, cada uma na exatidão daquilo que cada um necessitava. Em cada taça,
um pedido de ensinamento, a resposta para uma aflição, uma busca, um carinho...
A generosidade da rainha tornava ainda mais sagrado aquele momento, onde o
encontro com a própria essência é o mais especial dos presentes.
Aos poucos as pessoas se aquietavam, cada um a sua
vez entrando num mundo distinto e maravilhoso, mas desta vez o meu trabalho não
seria próximo a nenhum fraterno, seria inteiramente solitário, centrando a
minha energia apenas em mim mesma e isto foi logo o que a rainha foi me dizendo
assim que começamos a conversar. E me foi uma conversa tão saudosa, como reencontrar
uma amiga velha e sábia.
Busquei um lugar na quietude da noite para ficar
tranquila e encontrei no lago atrás da casa o lugar ideal para nossa conversa.
Era lindo observar aquele lugar pelos olhos dela e em minha mente eu ouvia seus
conselhos, tão longe deste mundo, absorta em outra realidade.
O silêncio era absoluto e o escuro da noite me
deixava segura e tranquila, estava completamente sozinha. Ou pensava que estava.
De repente, um pensamento me ocorreu e me virei
para o lado, dei um pulo para trás, levantei as garras, dei um grunido.
Lá estava, bem do meu lado, silencioso, um enorme
gato preto de olhos amarelos, que me deu o maior susto. Quando o reconheci,
imediatamente começamos a rir muito e a rainha ainda se divertia em minha mente
com a peça que tinha me pregado e me dizia para não me distrair nem ser
confiante demais.
O trabalho se intensificou e então fui ao quarto e
me deitei, deixando meu corpo e mente por conta da conversa com a ayahuasca.
Conversamos sobre muitos temas, sobre as coisas ainda por realizar, sobre as
pessoas a quem dar atenção, os novos aprendizados que devem vir, sobre questões
práticas como trabalho e família. Ela sempre sabia me perguntava sobre o que eu
desejava conhecer agora e acabamos o trabalho com seus ensinos sobre alguns
"golpes" de defesa no plano astral.
Abri meus olhos com ela me dizendo que era para ir
ajudar na cozinha, que logo os demais peregrinos também voltariam e a sopa
devia estar pronto. Ainda pensei que, estando sem comida, iria morrer de fome
ao mexer com comida, mas para minha surpresa não foi isso que ocorreu. Enquanto
mexia a sopa ainda ouvia os conselhos da rainha, mas não sentia o menor
apetite. Aos poucos todos despertaram. Por aquela noite os trabalhos estavam
concluídos.
A manhã seguinte começou agitada, com a ajuda dos
fraternos, pouco a pouco os pratos típicos foram ficando prontos, um mais
apetitoso que o outro, cada um nos fazendo lembrar que os ensinamentos mágicos
que nos são passados tem uma origem e estão ali enraizados na cultura da mesma
gente que inventou aqueles pratos, nos fazendo lembrar que bruxaria é para
estar ali no dia a dia, em cada hábito, em cada atitude do dia a dia, inserida
de forma muito natural na nossa vida, assim como estava também assim inserida
na vida dos nossos ancestrais.
Ao cair da noite, foi a hora de dançar, com a
proximidade dos animais de cada um, a casa estava cheia e a música era alegre,
preenchia os corações com o ritmo da vida, era o momento de agradecer pela
colheita farta, pelo conhecimento adquirido, pela oportunidade de se apartar
deste mundo para conhecer muitos outros.
Para mim, foi hora de agradecer aos deuses o meu
tempo nesta casa, hora de me alegrar por cumprir mais uma roda e pedir, de
coração aberto, que me sejam permitidas muitas outras mais. Bebi a poção feita
para a ocasião e me recolhi, mas não sem antes me alegrar por ver o antigo
cumprimento da casa ser renovado e feito novamente. Emocionante.
Já em outra realidade conversei com duas antigas
conhecidas, uma séria e outra suave e uma terceira, que até então não conhecia.
Foi uma experiência forte e as três me ofereceram possibilidades: eram portais
que me mostravam e junto com cada um deles, dos muitos que vi, o ensinamento de
se eu deveria entrar ou não nele, se o que tinha lá, de se era de um tipo que
para entrar eu mesma teria de saber qual era a chave ou se era um lugar que eu
deveria saber que existe, mas não ir. Em outros, me diziam que o que eu buscava
estava ali, bastava atravessar. Paredes de energia apareciam ou se fechavam,
conforme a conversa se seguia. Meu corpo energético tomou uma forma ovular
totalmente nova para mim, mal sabia me conter nele e foi uma experiência de
incrível beleza, daquelas que abrem muitas possibilidades.
Emocionada, fui puro instinto. E diante de tantos
novos mundos, mal posso esperar por samhain e por tantas coisas ainda que tenho
por aprender.
Abraços fraternos,
Danny
Cansou de brincar de Bruxaria? Venha receber um caminhar ancestral e sincero, venha para o CBT (Conselho de Bruxaria Tradicional).
Acesse nossa lista de informativos.