Foram três meses de uma longa espera até que chegássemos novamente
aos portais do verão.
Lentamente a paisagem florida deu espaço para que o brilho do sol
manifestasse plenamente a sua luz e o seu calor, enchendo ainda mais de vida
tudo ao nosso redor, foi o tempo necessário para que assim na vida como na
natureza, as flores cedessem lugar aos frutos, que agora enfim podiam ser
colhidos. Frutos que representavam sonhos de uma vida e que dentro em breve
poderiam ser divididos, através de uma boa notícia, com todos os fraternos que
logo estariam reunidos, mais uma vez com alegria para dar as boas vindas a Bel.
Era este entendimento dos ciclos da vida que ocupava meu pensamento
enquanto nos dirigíamos à cidade de Juquitiba, levados pelo som da
música que tocava no carro, enquanto a estrada fazia com que tudo que era
normal e rotineiro fosse ficando cada vez mais distante.
Meu coração estava alegre pela recepção calorosa que tivera, de abraços
e sorrisos e de gente com brilho no olhar, alguns ansiosos outros radiantes,
todos de uma felicidade contagiante e leve, tão suave como a brisa que nos recebeu
assim que chegamos ao local onde seria celebrado mais um beltane.
Já na entrada me surpreendi com a quantidade de lenha que havia sido
gentilmente separada para nós. Sim, seria uma bela fogueira!!!
Rapidamente todos foram se acomodando, se organizando nos quartos,
levando os alimentos para a cozinha e em pouco tempo havia uma mesa farta,
digna de uma casa muito próspera e é assim que deve ser, posta com carinho para
nossa primeira confraternização. Então nos apresentamos, conhecemos os novos
peregrinos, ouvimos histórias sobre nossas raízes e sobre aqueles que vieram
antes de nós.
Seguiu-se um período de repouso, para que todos se concentrassem,
descansassem o corpo físico para o festejo que adentraria a noite, mas eu
estava empolgada demais para dormir. A casa estava silenciosa, apenas os
pássaros eram ouvidos cantarolando pela natureza e lentamente eu vi pela janela
o entardecer dar lugar ao escuro da noite, anunciando que era chegada a hora de
retirar os véus das realidades e ir dançar em outros mundos.
A fogueira foi acessa, os seres da floresta encantados com a luz
dançavam ao nosso redor e convidavam para nos uníssemos a eles, em
celebração. Ao passar pela fogueira, este mundo já não existia mais, eu estava
de volta para casa, em comunhão com a floresta e em um mundo onde o significado
da vida é alterado por completo.
Do alto da copa de uma árvore, segurando num galho, um ser da natureza
nos observava com ar brincalhão, cheio de graça, nos olhava e sorria, como se
todo o tempo estivesse ali e apenas nós até então não pudéssemos vê-lo. Ele
sorria e nos abençoava. E eu sorria de volta, grata e encantada com sua
presença, com a imponência de sua figura.
O fogo subia até onde ele estava, pulando nas folhas das árvores,
querendo alcançar o céu. Meus olhos nada mais desse mundo viam, estavam
absortos diante de tamanha beleza como era a dança de elementais na fogueira. E
eles falavam comigo, me explicavam do grande poder ali contido e me diziam que
eu poderia pegar aquela energia, desde que soubesse o que iria fazer com ela,
desde que eu me comprometesse a utilizá-la em algumas realizações bem
especificas. O fogo estava vivo e eu podia ver milhares de seres nele,
todos oriundos de uma fonte principal, da base da fogueira, mas com
consciências independentes, que seguiam seu rumo ao céu... Eram trajetórias de
vida, que me pareciam tão rápidas para o tempo como nós o entendemos, mas que
faziam tanto sentido naquela realidade onde estavam.
Tive uma longa conversa sobre poder com a fogueira e com ela firmei um
compromisso. Seu calor, a dado momento, fez com que todo meu corpo se
revigorasse e me fez ter a sensação que meu sangue fervia, que meu corpo todo
era liquefeito e essa água, cada vez mais quente jorrava de mim, ao ponto de
lágrimas caírem abundantemente ao solo, eu tinha as mãos úmidas e muito
quentes. Sentia como se fosse feita de água, sentia essa água escorrendo pelas
minhas costas, descendo pela coluna, sempre potencializada pelo calor do fogo.
Aquilo me fazia um bem enorme, fiquei um bom tempo aprendendo a controlar
aquela energia, aprendendo a captar mais calor, a direcioná-la para pontos
específicos, tudo sempre com a orientação da fogueira. Era este o aprendizado
que eu pedira uma semana antes e que agora estava sendo me dado.
Passada esta conversa com a fogueira, fui então ser apresentada a uma
suave e bela flor azulada que desabrocha pelas manhãs.
Para ir ao seu encontro tive de engolir seus grãos terrosos moídos, que
me fizeram lembrar a agonia que me dá ver qualquer terra seca e por isso a
tomei acompanhada de muita água, o que me rendeu uma limpeza imediata. Ao
sentir seu sabor terroso entendi que toda a dinâmica do meu aprendizado naquela
noite seria em torno do meu elemento. E agora, o desafio era estar diante de
coisas que eram opostas a minha essência.
Nada como uma boa limpeza para clarear as ideias... risos...
Antes de começar a minha conversa com a dita flor, fiquei observado a
rainha conversar com os outros fraternos.
Uns deles, demarcavam território como um animal feroz que não gosta de
aproximações, em outros eu via a briga para manter em pé estruturas de
pensamento há muito consolidadas, outros dançavam, outros se confrontavam com
antigos inimigos, outros estavam tão longe... sentia-me feliz por ver tantas
pessoas em busca por consciência.
Num dado momento, um guardião pediu que eu o seguisse e me levou ao um
lugar de grande magia, onde as árvores eram do tamanho de gigantes e uma
acolhedora clareira aparecia após se cruzar um portal. Uma das árvores em
especial, era conversadora e de grande sabedoria, gostava tanto de falar até um
banquinho se prontificou a oferecer.
Precisava compartilhar minha descoberta com outras pessoas, peguei o
caminho de volta, escolhendo a linha de realidade certa onde pisar para
conseguir voltar porque no solo muitas delas se misturavam e, estando de novo
próxima a fogueira, convidei um felino a me acompanhar aquele mundo e com ele
também veio um corvo que de pronto assumiu uma longa conversa com a antiga árvore que mencionei e por lá ficou sentado bom tempo. Por
fim, a pedido da rainha, ainda levei lá uma nova peregrina que eu vi sufocada
pela varanda, também até lá e vi sua energia mudando, seu coração se acalmando
e como ele ficou bem mais confortável em um local aberto.
Pelas altas horas da madrugada, comecei a sentir um desajuste completo
do meu corpo físico com meu espírito, a matéria me causava grande incomodo, eu
estava lenta, muito lenta e não conseguia me sentir ao certo. Fui então aos
poucos, bem lentamente migrando para uma realidade onde tudo era muito
devagar... a passagem de tempo era diferente da nossa, toda minha velocidade
felina não conseguia se manifestar lá, tudo corria em um ritmo muito próprio,
muito lento. Isso me incomodava e eu tentava acelerar as coisas por lá. Então
tive uma longa conversa com a flor azul sobre o ritmo do mundo, sobre o
entendimento de que tudo obedece a uma ordem perfeita e nem sempre a velocidade
dos acontecimentos é a minha velocidade, embora eu sempre queira que seja.
Foi uma conversa que me acalmou, que me deu paz, me fez perceber onde
desacelerar para "conservar energia" e me desgastar menos com
situações cotidianas... Por fim, a oportunidade de ficar em um local oposto ao
que me é confortável foi um desafio muito interessante, um aprendizado muito
bom.
A conversa se seguiu em alguns lugares muito longínquos, lembro-me
de ter entrado em um local de muita claridade e seguido por ele, até bem longe
e de repente, não sei ao certo quanto tempo depois, apenas sentir
meu espírito, meu desajeitado ainda, encaixar de supetão de
volta no meu corpo. Estava na cama essa hora, então me levantei de pronto e
retornei ao salão.
As luzes começavam a ser acessas, as pessoas começavam a voltar a este
mundo, aos poucos estávamos todos aqui novamente.
O alimento para o corpo físico era dado agora porque o alimento da alma
já havia sido dado, saciando a sede de entendimento e de conhecimento de todos
nós.
Os deuses estavam felizes, a terra estava abençoada e no meu coração a
mais profunda plenitude estava presente.
Gratidão era o meu
sentimento mais veemente, gratidão por todas as conquistas que aquela roda
tinha nos propiciado.
Gratidão por não ter
esmorecido nas dificuldades, gratidão pela generosidade da nossa casa, pela
força dos nossos guerreiros, pela fé dos nossos protetores. Gratidão aos nossos
ancestrais, que também felizes estavam ali conosco. E por poder vivenciar
momentos tão especiais nesta existência!
E, o que mais dizer? que a roda continue girando! Temos muito trabalho a
fazer!!!
Abraços fraternos,
Dani
Aprendiz do Círculo Mágico da CLÁN Dragones - Bruxaria Tradicional Ibero-Celta