segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Bruxas de Brasília estão em guerra após relatos de orgias e extorsão

Bruxas de Brasília estão em guerra após relatos de orgias e extorsão
Praticantes de Wicca na capital acusam líder de forçá-los a fazer sexo. Mulher se defende e fala em disputa “de mercado”

LEILANE MENEZES
03/12/2017

Fonte e texto na integra:



mundo nasceu do gozo feminino. Frequentadores do Templo da Deusa, uma vila de bruxas seguidoras da religião Wicca, em São Sebastião (DF), acreditam nessa versão. “O big bang é um orgasmo da Deusa”, explica a fundadora da comunidade e servidora da Câmara dos Deputados Márcia Maria Bianchi Prates – também conhecida como Mavesper Cy Ceridwen, seu nome místico.
Não é apenas o universo, porém, que gravita ao redor da energia sexual. Os conflitos que motivaram uma guerra de bruxas em Brasília também circundam esse tema. São dignos de um roteiro de ficção: envolvem sexo, supostas orgias, magias, feitiços, rituais de prazer e opiniões muito diferentes sobre o trabalho desenvolvido no Templo da Deusa, onde se pratica a religião Wicca nos arredores da capital do país há 13 anos.
Márcia Bianchi é fundadora do Templo da Deusa, uma vila Wicca, em São Sebastião

Desavenças
Mas nem só de contato com a natureza, feitiços, vassouras, caldeirões e tarô vivem as bruxas brasilienses. Elas também lidam com problemas dentro da religião. Quem pratica Wicca enxerga o corpo como parte da Deusa, algo sagrado e que, portanto, deve ser reverenciado em rituais.
Os momentos de prazer sexual são comuns, mas não podem ser uma obrigação. “No Templo da Deusa, participar dos Rituais de Afrodite, que incluíam transar com as pessoas, era obrigatório para quem quisesse fazer parte do coven [um grupo fechado]”, alega Luana*, uma ex-participante, que ainda é bruxa e praticante de Wicca, mas, agora, sozinha.
Ela e outras quatro pessoas acusam a líder do Templo da Deusa, Márcia Bianchi, de coagir e manipular os integrantes da religião a participarem de rituais abusivos. Luana conheceu o marido na propriedade Wicca em São Sebastião, onde celebraram a união. A ex-participante diz ter sofrido pressão para morar no local e fazer parte de uma família poliamorosa com a criadora do coven.
Em 2009, deixou a comunidade e tornou-se inimiga do grupo. “Sofri assédio, inclusive enquanto estava grávida. A pressão em cima de quem não queria se envolver sexualmente com ninguém era absurda”, relata.
Demorei para entender que a posição de liderança da Márcia e as constantes investidas dela em mim configuravam um quadro onde eu não fui totalmente autônoma. É muito doloroso lembrar de tudo e vergonhoso também"Luana
João*, um homem gay, morou no templo por oito anos. Conheceu o local aos 17, na mesma época em que lidava com a dificuldade de entender e assumir sua própria sexualidade. “Encontrei na Márcia uma mãe acolhedora e, na Wicca, um espaço de aceitação. O problema veio com a instituição dos rituais sexuais. Quem não participava era massacrado. Transei com várias mulheres, mesmo sendo gay”, relata.
Ele também alega ter tido um prejuízo de R$ 10 mil. “Minha mãe morreu e me deixou o dinheiro como herança. Emprestei para a Márcia, pois o templo passava por dificuldades quando ela comprou a chácara. Achei que teria o valor de volta um dia, mas isso jamais ocorreu”, conta.
João diz que trabalhou como motorista do templo, em troca de comida e moradia, quando o pai dele o expulsou de casa, após a morte da mãe. “Estava muito frágil e vulnerável. O Templo da Deusa é onde pessoas nessa situação são exploradas”, dispara.
João relata que, semanalmente, os integrantes da religião eram obrigados a enviar para a líder relatórios sobre a própria vida com detalhes minuciosos sobre carreira, família, relacionamentos e práticas relacionadas ao culto.
“A gente era instruído a dedurar os outros colegas que não estavam contando tudo. Ao entrar na religião, se faz um pacto de Perfeito Amor e Perfeita Confiança, além de jurar sigilo. Era muito invasivo, mas quem está dentro não consegue perceber a manipulação”, afirma.
Outra ex-participante da comunidade, Lótus, admite que todos sabem e concordam com a existência dos rituais sexuais antes de entrar no grupo, mas ela também fala em manipulação psicológica. “A explicação é que se tratam de conexões profundas com deuses e com os processos de autoconhecimento”, diz.
Lótus relata como sua vida mudou após ser iniciada na Wicca. “Tudo virou de ponta-cabeça. Márcia e o marido começaram a investir em mim sexualmente. Eu, casada com alguém fora da religião, comecei a viver dilemas”, detalha.
Se eu me recusasse, ouvia sermões de horas e broncas da Márcia. Aquilo estava me consumindo"
Lótus
Lótus diz ter presenciado cenas de abuso de poder, intimidação, discursos racistas e pessoas gays sendo forçadas a se relacionarem com heterossexuais. “A maioria cedia em função das práticas que julgavam sagradas. As consequências psicológicas eram nefastas e quem não se submetia era tido como fraco diante da Deusa”, alega.
O perfil das pessoas que fazem parte da TDB é de gente muito maltratada e enfraquecida por questões econômicas, sociais ou com ausências familiares importantes, como a mãe (meu caso, que acabara de perder tanto mãe quanto pai)"
Lótus
Perseguição
Lótus alega ter sido perseguida quando resolveu deixar a tradição. “Márcia até hoje me deve R$ 4.500. Dinheiro que ela me pediu emprestado e não pretende pagar. E me ameaçou com feitiços caso eu abrisse a boca para contar o que aconteceu lá”, diz a ex-seguidora.
Carol, que também deixou o grupo após brigas, conheceu Márcia no Parque da Cidade, durante um ritual público. “Quando entrei para a tradição, em 2000, tudo era normal. Em 2008, mais ou menos, começou essa história dos rituais de Afrodite. Aquilo não é uma comunidade, é uma prisão”, resume.
Como mulher e negra, Carol não se sentia à vontade com a suposta obrigatoriedade dos ritos sexuais. “Tudo sempre acabava com você tendo que conversar com um Deus tal, que sempre vai querer te beijar, acariciar e você tem que deixar. A mulher negra já é sexualizada, luta por liberdade, não fazia sentido estar em um lugar onde eu não podia dizer não”, explica.
O último encontro do qual Carol participou foi um Festival de Lúcifer – que na Wicca não é visto como demônio, como para os cristãos. “Diziam que eu precisava quebrar a barreira de não pegar ninguém, que precisava evoluir. Queriam colocar uma venda nos meus olhos e quem quisesse poderia ficar comigo. Só não movi processo porque sou uma mulher preta, pobre e da periferia. Não tenho condições”, resume.
Carol também afirma ter sofrido racismo dentro do grupo. “Negros eram tratados diferente. As filhas da empregada não podiam comer com todo mundo, por exemplo”, alega.
O outro ladoNão há, entretanto, ocorrências policiais nem processos judiciais que respaldem os relatos dos ex-participantes da comunidade. “Ninguém tem coragem de ir à polícia. A bruxaria já é muito estigmatizada, sofremos preconceito, e dizer o que acontece de errado em um dos templos pode piorar essa imagem”, relata uma ex-frequentadora do Templo da Deusa que não quis se identificar.
Márcia nega todas as acusações e se diz ultrajada por elas. “Ritos sexuais são como uma oração, são normais na Wicca, mas poucos grupos tornam isso público pelo medo do preconceito. Por ignorância, acham que se trata de orgia. Quem quer festa deve procurar uma casa de swing, não a nossa religião”, defende.
Rituais de Afrodite são uma parte muito pequena do que fazemos, ocorrem uma ou duas vezes por ano e só para iniciados que se sentem confortáveis em participar. Não são momentos abertos ao público"
Márcia Bianchi
Márcia é uma das bruxas mais conhecidas do país, criadora da Associação Brasileira de Arte e Filosofia da Religião Wicca (Abrawicca) e um forte nome na defesa da diversidade religiosa. “Nunca obrigamos ninguém a nada. Isso iria contra toda a nossa filosofia, é o avesso do que pregamos”, garante.
Devido ao tamanho da reportagem, colocamos apenas um resumo. 
Reportagem na integra em:
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