quarta-feira, 20 de abril de 2011

BRUXARIA TRADICIONAL - Lenda da Fonte do Castro

Tal como acontece a muitas fontes, rochedos, grutas, ruínas, etc., também à Fonte do Crasto, em Navais, anda associada a tradição da Moura Encantada. Situada a nascente da Estrada Nacional nº 13, esta construção foi durante séculos o único ponto de abastecimento de água do lugar. Demitida desta ancestral função viu-se duplamente penalizada; sofreu o abandono “físico” e até o esquecimento no imaginário popular da memória concreta da lenda a ela associada. Hoje para a maioria das suas gentes a recordação da Moura Encantada* é muito ténue, a exemplo destes versos cantados pelo Grupo Folclórico de Navais:

“No tempo dos meus avós
Já a minha avó me contava
Que havia lá um tesouro
E uma moura encantada”

Implacáveis, os Tempos Modernos “mataram” a Moura ferindo-a na sua própria essência, foi apagada do Maravilhoso Popular, do qual era uma das mais poéticas criações. Agora só lhe resta trocar de refúgio, recolhendo-se às páginas dos livros.

A nível nacional era grande a variedade de relatos: um dos mais característicos era o do homem abordado por sedutora mulher de longos cabelos dourados que lhe propunha a passagem, no dia seguinte, para contactos eróticos em troca de objectos preciosos por ela guardados. Se o interpelado acedesse ao convite encontraria uma cobra a quem deveria beijar. Como a quebra do compromisso ou o medo no momento parecia afectar todos os “candidatos a desencantadores de Mouras” as fabulosas riquezas continuavam uma miragem inalcançável. A Moura Encantada assumia, portanto, duas formas: a de cobra e a de gentil donzela que prometia tesouros e riquezas inesgotáveis àquele que lhe quebrasse o fadário.

A esta lenda andam associadas, sobretudo, duas vertentes: a de divindade ou génio feminino das águas (fontes, rios, ribeiros, poços, etc.) e a de guardadora de tesouros encantados. Uma particularidade interessante era a sua paixão pelo leite, o que se explica pela confusão entre as mouras e as cobras, sob cuja forma apareciam. Está “arreigado no nosso povo a crença de que quando há uma criança de mama que está magra, é porque de noite uma cobra vem mamar no peito da mãe, metendo o rabo na boca da criança para a enganar. Também se crê que para apanhar uma cobra basta colocar no sítio onde ela costuma aparecer, um alguidar de leite” (1). Outro elemento curioso era o que supostamente ocorria na noite e madrugada de S. João, momento em que a moura se libertava e, em figura humana, vinha pentear os seus cabelos de ouro.

Para os etnógrafos a esta lenda caberia a função de sacralizar a terra e o trabalho agrícola. A Moura personifica a Mãe Terra e a cobra apresentada como um animal solidário da mulher. Da combinação destas duas simbologias resultaria a valorização do trabalho agrícola (as riquezas douradas da Moura eram ancinhos, cavalos, bois, etc.) e revelar-se-ia o poder da mulher na agricultura.

A identificação de “Moura” como feminino de mouro é errónea. Convém lembrar que os muçulmanos nunca chegaram a dominar o norte do país e era precisamente aquique mais se encontrava implantado este mito. A origem, embora difícil de determinar com segurança, deve-se procurara noutra área: Moira (termo grego) era o nome dado às deusas tecedeiras. Também se pode aproximar a palavra moira de Mairas, dos antigos Germanos, ou ainda de Morgana ou Muriguen, deusa celta.



Mª Jesus (1) Pedroso, Consiglieri – Contribuições para uma mitologia popular portuguesa e outros escritos etnográficos, Lisboa, Dom Quixote, 1988, p. 223
 

4 comentários:

  1. Esta lenda eu já tinha escutado, mas não se referindo a este local, exatamente como é falado no texto... interessante como as mouras são citadas tão abrangentemente!!!

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  2. Hum... humn... hum... interessante...rs pra mim, muito interessante: cobra.... água... fonte... Peças para meu quebra-cabeças-caminho. Adorei esse texto e saber desta lenda.

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  3. Conhecia a lenda das Mouras e também da cobra que mamava e impedia que a criança se nutrisse mas não sabia que havia uma associação entre as duas lendas! Interessante!!!

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  4. Gosto mto de saber estas lendas, elas são um sinal de tradição, que, infelizmente vemos sendo perdida neste mundo globalizado que está ficando tão indiferente à tudo e à todos

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