quinta-feira, 25 de abril de 2013

BRUXARIA TRADICIONAL: UMA HOMENAGEM AO MORTO



Com os finais cheios de atividades recebi um convite que não pude negar de comparecer, era um chá de bebê do filho de um grande mestre, e lá estava eu observando o ritual da vida, ou pelo menos, da espera da vida. Crianças brincavam e lembrei-me das brincadeiras de infância, o gosto por experimentar os doces da mesa e rever os amigos com abraços e sorrisos pela alegria da vinda de mais um membro à coletividade, foi quando recebi um telefonema que me chamava para um cenário totalmente diferente, antes a ritualização da vida e posteriormente a ritualização da morte.
Claro que isto nos faz pensar inevitavelmente sobre o ciclo da vida, e o que antes eram risos e descontração se dera a um novo cenário de pesar e silêncio.

Um dos conhecimentos que nos bruxos aprendemos, pelo menos os que seguem um caminho tradicionalista, é o entendimento sobre o ciclo de vida e que por muitas vezes acontece por observância das estações do ano, um contato, uma ligação tão compassada que se torna natural e se nos emocionamos com as vindas e idas não são pelo sentido da perda e sim pela vontade que temos de ver a todos que gostamos bem.
Estava conversando com uma moça que frequentava um centro kardecista, notadamente abalada começou a disparar sobre sua vida, sentei em uma poltrona confortável do velório e me pus a escutar todo o processo de vida dela.

Ela me dizia que:
"Antes eu estava indo a um Centro Kardecista, mas não me senti muito bem em ter que pedir ajuda novamente àquele local, as pessoas devem estar cansadas de mim, daí recebi uma ligação de uma amiga me convidando a um Terreiro de Umbanda, fiquei com medo, mas embora minha cabeça estivesse em conflito com o local, o meu coração estava em paz e também chegando lá vi uma estátua de Jesus e Nossa Senhora Aparecida, isso tranquilizou meu coração e logo vi que o local era bom, nenhum local que não fosse bom teria uma estátua de Deus...."

E muita gente poderia me dizer: "- Ahhh Draco você deveria ter falado um monte....", mas sentado ali minha cabeça processava diversas visões e entendimentos mais profundos diante da vida, em como as pessoas somente procuram os locais como um local para resolver seus problemas ao qual elas mesmas poderiam resolver fazendo uma simples ação, fazendo suas reflexões. É claro que a gente que tem um espaço religioso pagão e pensa como uma simples estátua pode mudar a percepção das pessoas, daí vão me dizer que os cristãos são superficiais e eu diria que o efeito seria igual aos neo-pagãos que observassem uma estatua de Jesus em um altar bruxo, no fundo pessoas são pessoas e elas vão se apegar a qualquer coisa para tentarem comparar, julgar, ou manter o controle, já vi muito disso acontecer colocando apenas uma música diferente do padrão.

Lembrei-me de um querido mestre, seu nome é Luis, que deu uma palestra em um centro Kardecista e acendeu um simples incenso e recebeu diversas críticas.... Dizia ele: "Se vocês estão aborrecidos com o perfume é por que ainda não escutaram o que tenho a dizer!".
Mas voltemos ao velório, e já estava amanhecendo e no cemitério eu escutava atentamente as palavras da moça. 
"– Mas eu estou contente, agora sou macumbeira mesmo, e minha vontade é colocar logo de manhã um som bem alto de atabaque só para eles saberem com quem estão mexendo, assim que é bom, agora os meus vizinhos vão ter respeito, quero ver eles me chamarem de bruxa!"
Eu pensei comigo mesmo, o que nós bruxos temos haver com as "megerices" dos outros? Bem como percebi que muitas pessoas querem pertencer a caminhos afros ou magistas não para aprender, mas para que estes caminhos além de darem as soluções instantâneas para as suas vidas, ainda gerem um status de medo aos outros.

Tenho a impressão que no geral as pessoas estão mais ignorantes com relação à espiritualidade, usando de tudo como se fossem marcas de roupa e isto não é com relação a pessoas menos privilegiadas na sociedade, pois já tentei ensinar para gente sem dente bem como para membros da alta sociedade, para pessoas de ensino médio como para PhD e percebo que a essência da Bruxaria somente pode fluir perante a um espírito apto, que consiga estabelecer uma sincronia com essa correnteza dentro deste mar cheio de teses, filosofias e religiões.

Uma homenagem ao morto que se vai de olhos fechados, em seu barco em forma de caixão, perante o mar de lágrimas daqueles que deixou, para as profundezas, ao terminar sua transição entre os mundos diante do último tijolo que fechará a entrada do seu túmulo.

Autor: Ricardo DRaco