quarta-feira, 20 de julho de 2011

Bruxaria Tradicional - Caminho de Santiago- Enfrentando Inimigos

O Conselho de Bruxaria Tradicional indica este belo texto de Yellow Cat, mais artigos no blog: http://dannyyellowcat.blogspot.com/2011/03/licoes-do-caminho-de-santiago.html

 

Lições do Caminho de Santiago: Enfrentando Inimigos Ardilosos


No início do ano de 2008, quando num roupante tomei a decisão de que iria a Espanha, percorrer o caminho de Santiago da Compostela, já no mês seguinte, não tive - e nem pensei muito nisso - nenhuma preparação física especial.

Para mim, na inocência de quem não possui a vivência ainda, a questão era muito, muito simples mesmo, bastava caminhar. E caminhar eu já sabia! Ponto pacífico. Bastava ter a coragem de ir. Era para mim um exagero os relatos que cheguei a ler de pessoas dizendo que começaram a fazer caminhadas seis meses antes, com aumento gradativo da quilometragem, com treinos específicos para fortalecer a musculatura e coisas do tipo.

Acreditem, por mais que pareça imprudência da minha parte, na realidade, eu sabia que se me propusesse a realizar, sem sombra de dúvidas eu realizaria. Sempre tive boa saúde, não tenho força, mas tenho resistência e flexibilidade, enfim, meu corpo sempre me ajudou nas minhas loucuras.

E foi dessa forma que desembarquei em Madri, sem preparo algum, confiando nos limites do meu corpo que eu achava que conhecia. Eu sabia que era loucura, mas a minha alma gritava comigo e eu não podia deixar de atendê-la.

No meu terceiro dia de caminhada, depois de já passar por alguns desafios iniciais ( o meu primeiro dia no caminho cabe um relato a parte, que deixo para contar em outro post), eu já estava completamente exausta fisicamente.

Cada passo me era um grande esforço, a mochila parecia pesar bem mais que os quatros quilos pesados na alfandêga e pareciam ter colocado chumbo no meu tênis. Eu não tinha mapas, sabia apenas que devia seguir as setas amarelas e procurava alucinadamente por elas a cada pisada com medo de deixar de visualizar alguma e me perder. Tolice a minha! quando você não conhece nada de onde esta, jamais esta perdido. Ou melhor, já esta perdido de qualquer forma.
Quando eu conseguia uma referência que me indicava o quanto eu havia progredido, minha sensação era de ter andado 100 quilometros, quando para meu completo desânimo, haviam se passado um ou dois.
Parar e descansar era uma constante para mim.

Uma destas paradas se deu em algum ponto na cercanía de Logroño. Acredito que era um pouco depois do meio-dia. A paisagem era uma trilha aberta no meio de uma interminável planície, de onde, bem ao longe, distando uns três quilometros, se podiam ver montanhas que limitavam o horizonte. Encontrei um local onde era possível se encostar de forma mais acomodada, tirei o tênis, mas continuei de mochila, para dar menos trabalho ao recolocar e peguei no sono assim, na beira da estrada, no meio do nada.

Não tenho noção de quanto tempo fiquei ali, me recordo apenas de ter acordado com dois cachorros enormes e gordos baforando na minha cara. Imaginem o susto(especialmente para quem tem alma felina como eu!), abrir os olhos e dar de cara com um cão pastor te lambendo. Levantei o olhar, ainda um pouco atordoada pelo sono e pelos cães e a minha frente estava uma senhora, já com seus mais de 60 anos, que logo entendi ser a dona dos cachorros.

Não se assuste, eles não vão te fazer nada, são mansos, ela de pronto me falou toda sorridente.
Ao me erguer para conversarmos, ela continuou: "Você vai a Santiago? Quanto você andou hoje?"
Respondi que sim e naquela manhã eu havia caminhado quinze quilometros, pretendendo dormir no povoado seguinte, que daria pouco mais de cinco quilometros dali.

Sem muitos rodeios ela continuou: "Neste passo você não vai chegar. Conheço muitos peregrinos que passam por aqui e você esta muito lenta, precisa andar mais de vinte e cinco quilometros por dia pelo menos e você com quinze, não vai chegar. Sozinha ainda, é perigoso, tem muita gente que morre fazendo essa tolice"
Perdi as contas de quantas vezes ela me repetiu "No te vas a llegar en Santiago, peregrina"

Um profundo abatimento tomou conta de mim ao ouví-la. Pensei, "ela esta certa". Ela vive aqui, é uma velha, deve saber oque esta falando.

Era um despropósito estar ali, passando por aquilo, com tantas dores no corpo, com tanta sede, enquanto existiam tantos locais turístico para se visitar na Espanha, hotéis confortáveis e chuveiros quentes. Não era caminhar pelo meio do mato que iria mudar alguma coisa na minha vida, nem apagar aquelas dores de amor que todo mundo leva no peito. Eu não precisava passar por aquilo se não quisesse, era livre para mudar de rumo.

A mulher a minha frente continuava a sorrir e me dar certeza do fracasso. Cada vez mais perceptivelmente feliz por me perturbar. E eis que de dentro do mato, veloz como a luz, uma lebre cruza a trilha e é prontamente perseguida pelos dois cães. Esta cena me tirou do meu ensismesmamento como se me desse um tapa e meu próximo pensamento foi "eu sou veloz como a lebre e não retroativa como os cães".  Voltei-me então para a senhora, mirei bem o seu olhar e então entendi exatamente oque ela estava tentando fazer.

Mesmo tendo passado a sua vida inteira bem na reta daquela caminho ancestral e visto a incontáveis pessoas repetirem a mesma trajetória, em busca de seus sonhos, em busca de um encontro com sua própria essência, ela nunca houvera se atrevido a fazer o mesmo. Preferiu sempre o mais seguro, o mais sensato, permaneceu comedida e a margem da sua vida e obteve em contrapartida o mesmo comedimento sem emoção, sem paixão, insosso que doou a tudo e a todos. Foi refém de seus medos e chegava agora ao final da vida com a amargura de quem se privou do prazer. Era alguém triste, que ainda por medo de encarar sua própria covardia diante da vida, tentava minar os sonhos alheios para que não ficasse claro o quanto ela havia perdido. Se mais alguém desiste, então fica mais fácil de convencer de que a vida é difícil para todos e as coisas são assim mesmo.

Foram todas estas coisas que eu pude ler no olhar dela, vendo cada real intenção camuflada em cada palavra de desmotivação.

E eu quase me deixei enganar!
daí a importãncia de você não se basear no caminho alheio, ele jamais será o seu.

E o meu coração é forte, por isso não sou de me entregar sem lutar, também com um belo sorriso dei a nossa conversa por encerrada e disse a ela, "bom, vou caminhar e quero ver até onde eu chego."
Calcei o tênis e quando já me distanciava uns passos, numa última tentativa de me enganar, de me desviar do que eu havia vindo fazer ali, a triste mulher ainda me informou que se eu virasse a esquerda na trilha, saindo da reta, a cerca de dois quilometros iria encontrar uma fonte de água fresca, própria para consumo. Eu estava sedenta e dois quilometros, acreditem, para quem tem de caminhar muito, faz uma grande diferença, pode ser a escolha entre chegar ao seu destino aquele dia ou dormir no mato.

A sede era grande, mas não havia porque escutar qualquer conselho de alguém tão amargurada. Segui sedenta, mas não me desviei do caminho, segui sedenta, mas continuei caminhando.

Antes de chegar a próxima cidadela, cruzei com um senhor pastorando ovelhas e lhe perguntei sobre a tal fonte da qual a mulher me falara, para minha surpresa ele me disse que naquela direção não havia água, havia sim uma descida longa que não dava em lugar algum e por vezes confundia os peregrinos que não prestavam atenção nas setas  - e nos sinais - e seguiam pelo caminho errado.

5 comentários:

  1. Acho que fazer uma "caminhada" como essa deveria ser possível à todo mundo... devido tamanha chuva de conhecimento que proporciona... desejo à todos os peregrinos (me incluindo nessa, claro!) um dia contemplar esse universo... parabéns querida!!

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  2. Até hoje eu fico arrepiada em lembrar de cada passo, de cada paisagem e de cada vivência inesquecível que tive por lá.
    Mesmo tão longe de casa, não tinha dúvidas de que estava em casa.

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  3. eu já to contando as moedinhas pra ir pro caminho daqui 2 anos.... pra comemorar e agradecer a terceira roda.

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  4. Chega a arrepiar...
    Por isso que digo, siga sempre seu caminho, com sinceridade, não o caminho dos outros!
    Por isso sempre admirei essa gata, e sempre irei!
    Quanto ao caminho de Santiago, sempre foi um sonho... E logo logo o realizarei!

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  5. Que bela experiência! Não acredito q haja alguém q volte a mesma pessoa depois de vivenciar momentos como esses!

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