Livro produzido por índios e pesquisadores da UFMG
ensina a tratar da saúde do povo Maxakali
Itamar Rigueira Jr.
Charles Bicalho |
Crianças Maxakali: publicação pretende melhorar atendimento médico nas aldeias |
Quando ingressaram no Curso de Formação de Educadores Indígenas da UFMG, em 2006, Rafael, Pinheiro e Isael Maxakali tinham pelo menos um objetivo claro: produzir um livro que orientasse os agentes de saúde do governo a trabalhar com seu povo. Depois de muita pesquisa, envolvendo os estudantes Maxakali, professores e alunos de graduação e pós-graduação da UFMG, saiu do forno Hitupmã’ax/Curar. Mais que um simples manual, a Faculdade de Letras da UFMG e o Núcleo Transdisciplinar de Pesquisas Literaterras produziram um livro de arte, bilíngue e repleto de ilustrações dos próprios indígenas.
O povo Maxakali vive em aldeias no Vale do Mucuri, no Nordeste de Minas, e é o único no estado que tem sua língua preservada. Sua ideia de adoecimento está intimamente ligada aos sonhos, e os processos de cura envolvem narrativas míticas e cantos sagrados. Para eles, sonhar com um parente morto significa que ele está chamando, e daí vem a doença. A cura depende da intervenção do pajé e de um ritual em que se oferecem comida, bebida e cantos para que os espíritos deixem a pessoa em paz.Coordenadora do Literaterras e do curso de educadores indígenas – experiência-piloto com término previsto para 2010 e que deu origem a uma licenciatura regular na UFMG –, Maria Inês de Almeida lembra que os índios agora têm a oportunidade de mostrar suas práticas medicinais. “A ligação entre o visível e o invisível e a relação sem hierarquia entre os seres do mundo são o que produz o bem-estar para os Maxakali”, explica a professora da Faculdade de Letras. “Além de oferecer a tradução para as receitas e práticas, o livro propõe que agentes de saúde e a população indígena se escutem e se compreendam”, ela diz.Poemas visuais
A estrutura de Hitupmã’ax/Curar é inspirada na forma de três livros em um, que marca a literatura da portuguesa Maria Gabriela Llansol (1931-2008). As páginas são divididas em três colunas: a primeira contém textos sobre receitas e procedimentos em língua maxakali e em português; a segunda traz a reprodução de conversas com os nativos sobre o assunto; e a última coluna, à direita, é um índice do ponto de vista da medicina branca. O leitor aprende que, durante o resguardo, a mulher deve abolir o consumo de carne de caça, dormir pouco, evitar banhos e não dormir sobre os braços. E que é preciso esperar pelo menos três anos para dar à luz o próximo filho.A transcrição e a tradução procuraram preservar a poeticidade das narrativas e cantos. “Esses textos são como poemas visuais, em que os Maxakali expressam a visão que têm da natureza”, afirma Charles Bicalho, que integrou a equipe de produção da obra e desenvolve tese de doutorado na Fale sobre a literatura Maxakali. O pesquisador é um dos responsáveis pela tradução, que consta ainda de glossário para ajudar na orientação de médicos e enfermeiros.
Vencer resistências e entender o que parece à primeira vista idiossincrasia dos índios são condições fundamentais para o sucesso do tratamento e do relacionamento médico-paciente, de acordo com Manuel Mindlin Lafer, médico do ambulatório do índio da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Experiente no trato com populações indígenas, Lafer participou da fase final do trabalho com o objetivo de aproximar a linguagem do livro daquela utilizada nos manuais de consulta por profissionais de saúde no campo. “A obra é muito importante porque permite tratar as doenças de acordo com a nossa medicina e com a cultura dos Maxakali”, afirma o médico.
Povos como os Caiapós e os Ianomâmis já manifestaram interesse em receber exemplares. Mais um motivo de satisfação para os Maxakali. “A gente trabalhou muito para explicar como funciona nossa saúde, aumentar o respeito e melhorar o atendimento”, diz Isael Maxakali.
Livro: Hitupmã’ax/Curar
Autores: Rafael, Pinheiro, Isael, Suely, Mamey e Totó Maxakali
Edição: Faculdade de Letras da UFMG e Edições Cipó Voador
Páginas: 268
Autores: Rafael, Pinheiro, Isael, Suely, Mamey e Totó Maxakali
Edição: Faculdade de Letras da UFMG e Edições Cipó Voador
Páginas: 268
Uma ótima iniciativa!
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