A BRUXARIA TRADICIONAL NO SUL DA ITÁLIA
- Por Nemesis/ Tradução de Henrique Drumond
- Adaptação Ricardo DRaco
Publicado em 20 de maio de 2007
NOTA BENE: este definitivamente NÃO É o artigo definitivo sobre o assunto. A Streghe, como todos os Ocultismos Tradicionais, valoriza nossos Juramentos e nossa Honra acima de tudo. Portanto, NUNCA haverá uma apresentação pública, em qualquer veículo, de nossa sabedoria interna. No entanto, esse artigo se foca nas raízes históricas, práticas folclóricas, e pontos em comum dos praticantes que trabalham dentro do panorama do Sul da Itália. Assim sendo, a informação aqui contida é baseada em pesquisa acadêmica, no folclore popular, e na minha compreensão pessoal da história e do folclore. Por favor... sejam tolerantes com meus erros históricos e gramaticais.
Esse artigo é o resultado do amor pela história do Mediterrâneo, tradições mágicas da antiguidade, e as crenças populares de minha bisavó, que expressou horror no começo de minha caminhada no Ocultismo, mas que (no final da vida) veio a tratar meu Caminho com respeito e aceitação. Eu dedico esse artigo a ela, aos meus Anciãos e Professores que me iniciaram na Bruxaria, e aos Deuses e Deusas que ‘incendiaram meu sangue e despertaram meu coração à vida’.
Terminologia
Na Itália, uma bruxa é conhecida como Strega, enquanto um praticante homem é conhecido pelo título de Stregone. Bruxos, no plural, são Streghe – embora grupos compostos somente de homens possam ser chamados de Stregoni.
A palavra moderna em italiano para bruxaria seria Stregoneria – outro termo, preferido pela maioria nos Estados Unidos, é Stregheria. Esses termos significam a mesma coisa, embora a escolha de um pelo outro possa ser somente religiosa (ou mágica). Historicamente, ‘Streghe’ tem suas raízes na palavra latina Strix, que significa tanto bruxa quanto ‘coruja’. No entanto, áreas diferentes têm suas próprias palavras para uma bruxa – como Saga, Venefica, Fata, Ianara.
Na Sicília, Strega/Stregone/Streghe significam a mesma coisa, bem como na metrópole. Ser bruxa envolve uma gama de atividades – de crotchery spinsters a adivinhadores e praticantes de magia popular até aqueles iniciados nas reminiscências da religião pagã. Os termos Maga (f), Mago (m), e Magi (plural) também significam “Bruxo(a)(os)” na Sicília. Esses foram emprestados dos Magos Persas helenizados (Sacerdote / Milagreiro), e se refere (hoje) ao Sacerdócio da Antiga Religião.
Na Sardegna, tanto bruxas como fadas recebem o nome de Giane, que se refere às feiticeiras das cavernas do passado mítico.
Em tempos medievais, as crenças religiosas das bruxas eram conhecidas (entre os praticantes como ‘La Vecchia Religione’ (A Antiga Religião) ou ‘La societá di Diana’ (A Sociedade de Diana). Como um termo italiano mais moderno, temos ‘Antiche Usanze’ (Caminhos Antigos) – além de uma referência Inglesa/Americana poética, “O Povo do Grito da Coruja”.
Em prol da facilidade, irei o usar os termos, Bruxa, bruxo, bruxos e bruxaria neste artigo.
Raízes Históricas
A Itália (como um país unificado) é uma inovação moderna que surgiu nos últimos 130 anos. Para as especificidades culturais italianas, cada região e cidade tinha sua própria identidade. A xenofobia era muito comum e a sociedade moderna fez pouco para mudar o fato. Portanto, cada região e cada cidade – até mesmo cada família – pode ter a sua própria Tradição, com suas raízes distintas, seus métodos e seu “conhecimento secreto”.
O Sul da Itália teve, desde tempos antigos, um forte influxo de culturas gregas e etruscas. Tais eram os numerosos templos no Sul da Itália e na Sicília que os historiadores deram à área o nome de “Magna Graecia” (ou Grécia Maior). Além disso, houve uma forte influência fenícia e egípcia, através do comércio. Com Roma, a influência dos cultos latinos começou a se enraizar, embora o Sul da Itália tenha mantido seu distinto saber não-romano através de sua história.
Podemos encontrar muitas evidências que ligam as práticas modernas da bruxaria a precedentes gregos e romanos. Foi Ovídio quem notou que as bruxas se encontravam a noite para celebrar os Mistérios de uma Deusa Tripla. As bruxas de Tessália começaram a prática da puxada da Lua do céu. Theoricitus menciona que as bruxas da Grécia e do Sul da Itália faziam preces e encantamentos à Lua.
Nas Ilhas da Sicília e de Malta, você também encontra fortes traços do folclore francês e germânico, trazidos pelos invasores Normans. Devido à presença da Igreja Católica e Ortodoxa Romana no Sul da Itália, antigas deidades foram identificadas com os santos. Por exemplo, um festejo de Demeter antes acontecia no final de Julho – e se tornou cognato com as tradições católicas de Lammas (1 de Agosto) e a Festa de Maria, Rainha dos Céus (15 de Agosto).
Na América, com nossa sociedade multicultural/plural, diferentes culturas Italianas se misturaram (muitas vezes involuntariamente) até encontrar uma identidade comum. O mesmo aconteceu com as tradições da Bruxaria provenientes da Itália e das Ilhas.
As Deidades
Como muitas variantes da Bruxaria Tradicional, nosso foco religioso é a Deusa Mãe Diana, que reina (nas lendas populares) como a Rainha das Bruxas, um deus geralmente reverenciado tal como Apollo ou Sol Invictus. Por conta do catolicismo, tornou-se comum referir-se como “Nossa Senhora” e “Nosso Senhor”. (Historicamente, essa denominação nos permitiu operar com mais liberdade, ainda carregando uma conotação diferente entre aqueles que Conhecem).
Também honramos nossos Ancestrais. Geralmente, em forma de dois cultos (referentes aos cultos domésticos romanos): Os Lare e os Lasa. Os Lare são os espíritos relacionados a nós através do sangue, ou como recentemente concebido, qualquer espírito originado de um ser humano. Os Lasa são especificamente os Espíritos da Natureza, inclusive as raças faéricas, os anjos, e os seres elementais. Eles recebem o status de ancestrais em parte porque eles precedem a humanidade, mas também pelas lendas que dizem que as primeiras bruxas foram resultado de casamentos entre humanos e Lasa.
O culto ancestral é praticado no altar doméstico (popularmente chamado de Altar dos Lare ou um nome semelhante), onde oferendas e preces são feitas diariamente. Oferendas especiais são feitas como parte de ritos de passagem e apresentação. As oferendas também são feitas ao ar livre, para os Lasa e os animais selvagens.
Além disso, cada manifestação regional traz suas ênfases particulares e suas Deidades locais. Muitos também honram os santos católicos e os anjos – que se aproxima muito do culto ancestral (os santos foram humanos), ou pela identificação dos santos com as Deidades, ou simplesmente uma herança da magia popular católica. Os cultos de “La Madonna Nera” (A Virgem Negra), do Arcanjo Miguel, e do Anjo da Guarda são especialmente populares.
Estrutura Ritualística
Os rituais variam absurdamente. A Bruxaria do Sul da Itália tem características muito folclóricas. Geralmente, nossos festejos estão mais próximos ao termo “bruxas de cozinha” do que do alto gentio Episcopagão. Na América, isso tem mudado através da influência da Wicca, da Golden Dawn, e das pesquisas acadêmicas junto aos antigos festivais religiosos da Grécia e de Roma.
Diferente da Wicca e do paganismo moderno, nós (historicamente) não temos sabás formais. Nossos festivais eram e são aqueles da nossa região ou cidade. Tais festivais vão de celebrações da agricultura (O Desabrochar da Almond em março, os Dias da Brasa, os Primeiros Frutos no final de julho/início de agosto, etc) a Festivais de santos (Dia de São Miguel, Dia de Todos os Santos, Epifania, etc.). A maioria dos eventos parecidos com os sabás são nossos ritos lunares – no caso, a Lua Cheia – que inclui assar pão, contar estórias, fazer oferendas, e dançar/cantar.
Entre alguns clãs e famílias, esses elementos são notavelmente xamânicos. Em algumas noites, os membros atendem a chamados astrais e tomam parte da Caçada Selvagem com Diana no comando. É possível que esse elemento xamânico tenha precedentes históricos. No Cânon Escopi, a igreja medieval cita “algumas mulheres, iludidas por Satã, que acreditam que voam de noite na companhia de Diana, a Deusa dos Pagãos.” Tal prática também está relacionada com os Benandanti, um culto do século XVI centrado no vôo espiritual e a batalha épica entre a Luz e as Trevas que ocorria nas mudanças de estação nos Solstícios e Equinócios.
Nossas ferramentas são as domésticas: tesouras para cortar as energias não desejáveis, chaves para abrir/fechar portas astrais, linha para amarrar, broches, potes e panelas da nossa cozinha, e por aí vai. A lareira é especialmente sagrada para nós, representando a conexão entre os vivos e os mortos, e a presença dos Deuses. Ela pode ser representada por um caldeirão em chamas, o fogão, ou a lareira da casa, ou como um sentimento não-explícito de Família. Também trabalhamos com o tamborim – tanto como meio de manipular energia como uma forma de conversar com os espíritos.
Principais Crenças e Tenets
* Nosso código de ética é muito simples, englobado em três fases: Honra, Respeito por todos, e Responsabilidade Pessoal. Embora sejam simples, são laços, unindo toda a nossa prática junta, e se aproxima do conceito japonês de bushido. Lealdade, honestidade e integridade são manifestações óbvias desse ethos.
*Um foco claro na Família, tanto de sangue quanto de espírito.
*Preservar nosso conhecimento oral e história mítica, ainda assim sendo adaptável e aberto a necessidades reais, pesquisa e eventos atuais. Somos naturalmente sincréticos, evoluindo e crescendo lentamente, diferente de um ecleticismo que mistura tudo.
* Um foco matriarcal implícito. A maioria dos iniciados ativos são geralmente mulheres, já que os homens seriam geralmente fora do campo, etc.
* Sexualmente, somos conservadores. Sejamos gays ou heterossexuais, temos a tendência de celebrar relacionamentos e parcerias monogâmicas.
* A crença de que o poder mágico individual vem do Coração. Identificamos esse Coração com a Honra de cada um, e como cada um enfrenta os desafios e os triunfos da vida.
* Valorização do sigilo da prática da Arte, não tanto por ser tradicional (apesar de ser), mas por nossa escolha de preservar a beleza e a integridade do que faz a nossa Família ser uma família. E aqueles que quebrarem esse laço não-explícito violam os princípios popularizados como Omerta.
* Ritual e magia como (parte de) viver a vida, não somente como prática.
* A reencarnação acontece (geralmente) dentro da família, ou dentro de um grupo de almas familiares. Nós identificamos a Terra do Verão da crença teosófica moderna como a antiga Sumer, expressando a esperança de voltar para um ideal de vida encontrado no Berço de Toda a Civilização. Alguns, se inspirando na Sabedoria Grega, acreditam em um pós-vida geral (a Mansão de Hades), um paraíso para Bruxas e Heróis (Elísio), e um local de punição para os malignos (Tártaros).
* Enquanto a maioria de nós reconhece algum tipo de lei cósmica análoga ao karma Oriental, concordamos mais com os antigos conceitos de Destino. O Destino pode ser definido como um momento de escolha. Em outras palavras, para cada escolha que fazemos e (em) cada ação que executamos, há uma conseqüência. Se alguém ameaçar nossos amados, nada vai nos impedir de garantir que a justiça seja feita. Nesse ponto, concordamos com o ethos que diz que “deixar que o mal continue existindo permite que mais mal seja feito, e aqueles que permitem isso são tão culpados quanto os malfeitores originais.”
Organização
A estrutura principal é a Família. Os membros mais velhos da família governam como “chefes de família”. Indivíduos externos podem ser trazidos para dentro através de um ritual de adoção. Os ritos formais de elevação geralmente ocorrem muito mais tarde, pois acreditamos que a experiência de vida é o que conduz ao Sacerdócio. Recentemente, na América, alguns clãs e facções adoraram elementos da Wicca Tradicional Britânica, especialmente no tocante à estrutura de Coven, como forma de ensinar aqueles fora da estrutura da família. No entanto, a crença central é de que, diante dos Deuses, todos são iguais. A nudez ritualística geralmente não é praticada – em parte pelos valores conservadores italianos, mas também pelo maior foco na família do que na fertilidade.
Por um lado, a maioria dos Streghe reconhece e aceita como colegas aqueles que se dedicam aos Deuses e verdadeiramente procurar viver na Bruxaria de seu próprio modo. Por outro, se você afirma ter status hereditário, você tem que ter passado pelos ritos necessários de passagem para validar essa afirmativa. Apesar de cada família ser diferente, existem certos aspectos (crenças e práticas) que são comuns e servem como prova de fogo. Por esses aspectos, diferenciamos aqueles que são sinceros daqueles que são fraudes.
Palavra final de agradecimento
Esse artigo não seria escrito sem a ajuda, incentivo e inspiração de numerosos Anciãos, Professores, Amigos e Sacerdotes. Os principais foram: o Ver. Lori Bruno, pastor do “Our Lady and our Lord of the Trinacrian Rose” (Nosso Senhor e Nossa Senhora da Rosa Trinácria), que dividiu comigo as lendas e o conhecimento, a sabedoria e a compaixão; Aradia, ‘mi madre in la stregheria’, que me levou até a Encruzilhada que terei que trilhar sozinho; e todos os meus tios e primos da grande família de La Vecchia Religione di Italia. Que os Grandes Deuses e Deusas mantenham, ergam e protejam a vocês, agora e sempre;
Fontes para Maiores Informações
Fontes online
(Our Lady and Our Lord of the Trinacrian Rose Church – Bruxaria da Sicília do Mundo Antigo. A pastora, Rev. Lori Bruno, é uma strega-maga hereditária, uma excelente cozinheira, e uma sacerdotisa incansável a serviço de Seus Deuses.)
(Site Wytches’ Hill e Befana’s Broom, com informações gerais de La Vecchia Religione).
(The Temple of Diana, INC., com base em Porto Rico, e tem um belo material devocional para Diana e Apollo).
*Fontes em Livros:
Bonefry, Yves. Roman and European Mythologies.
Burkett, Walter. Greek Religion.
Davidson, Gustav. Dictionary of Angels.
Davies, Morganna and Lynch, Aradia. Keepers of the Flame.
Elworthy, Thomas. The Evil Eye.
Frazer, Sir James. The Golden Bough.
Ginzburg, Carlo. Ecstasies – Deciphering the Witches’ Sabbath.
Ginzburg, Carlo. The Night Battles.
Gwynn. A Light in the Shadows - A Mythos of Modern Traditional Witchcraft.
Johnsons, Sarah Illes. Hekate Soteira.
Kerenyi, C. The Gods of the Greeks.
Kinsgley, Peter. In the Dark Places of Wisdom.
Leland, CG. Aradia: Gospel of the Witches.
Leland, CG. Etruscan Roman Remains.
Martello, Leo. Witchcraft: the Old Religion
*Nota de rodapé:
Infelizmente, o conhecimento oral e as estórias das quais dependo não podem ser validadas por ninguém além daqueles já no Saber.
Mais uma vez, eu me sinto grato aos Anciãos, Sacerdotes e Professores que me inspiraram, me guiaram, e que concluíram que um artigo geral sobre a superfície da Bruxaria do Sul da Itália era uma grande idéia.
Além disso, admito ser inapto à palavra escrita. As Tradições Italianas têm sorte de ter um grande volume de suporte histórico de registros clássicos e medievais. Aqueles interessados em aprender mais devem visitar os sites e os livros sugeridos acima. Também recomendo a leitura de Ovídio, Virgílio, Horácio, e aqueles tomos empoeirados de História e folclore amados por antropólogos mas ignorados pelo resto da sociedade.
Cordialmente,
CONSELHO DE BRUXARIA TRADICIONAL
http://www.bruxariatradicional.com.br/
Vc falou dos tomos amados por antropólogos... eu acrescentaria também os as abordagens de etnólogos e até msm de arqueólogos...
ResponderExcluirMas é interessante vc ter dito isso pq as pessoas normalmente falam apenas da abordagem dos historiadores ou dos folcloristas.