segunda-feira, 4 de abril de 2011

Bruxaria e espiritualidade: Um ensaio sobre a mudança e o crescimento...

Certa vez ouvi de um senhor muito sábio que "É possível aprender tudo nesta vida, somente observando os outros"... Foi uma das maiores lições que tive, já que praticando, notei a possibilidade de conhecer o meu lado desagradável através das pessoas com quem convivo. Deparei-me com uma inacabável fonte de autoconhecimento.

Ultimamente tenho percebido cada vez mais hipocrisia no meio espiritualista - de forma geral - no qual incluo as diversas sendas de bruxaria. E isso se deve não necessariamente à senda, mas aos motivos pelo qual o indivíduo se envolve com esta senda, que são cada vez menos nobres. A sociedade está se tornando vazia, e a espiritualidade está sendo esquecida. O crescimento é cada vez mais tímido e discreto em detrimento da ostentação de um status que muitas vezes nada tem a ver com o caminho espiritual.

Temos buscado a magia, o reconhecimento, o poder e o status, nos esquecendo do valor que a discrição, a sabedoria e o caminhar árduo nos trazem. Vejo o crescimento pessoal como a verdadeira magia, é a alquimia interior que transmuta o metal (espírito) no que seria o ouro. Como podemos aceitar nos tornar bruxos transtornados e saturados de incoerência na essência de nossa ideologia... E o pior, incoerências tatuadas nos segredos de nossa particularidade? Seria contradizer toda a beleza e sabedoria que buscamos afirmar na base de nossa crença.

Mesmo que não achem interessante a leitura do texto, creio que apenas o título já traz em estampido a reflexão.


Mudança, crescimento e coexistência... O que isso tem a ver com Bruxaria?

Mudança e crescimento são termos que não necessariamente caminham juntos. Nem toda mudança traz crescimento! O crescimento normalmente provém do refinamento de nossas qualidades e do enobrecimento dos valores que carregamos, que nos levam a nortear através de pontos de vista diferentes e condizentes, cada uma de nossas ações. Crescer é superar, subir, alçar vôo... Ultrapassar antigos hábitos, sentimentos e atitudes que lhe algemavam a um estado de estagnação.

O homem como energia imanente do universo não deve nunca admitir um estado teimoso de imobilidade em meio à substância em que está diluído (a energia ativa que o circunda), estar nesta posição é atentar contra a própria natureza de sua existência assim como estar imóvel é permanecer nulo num mundo que se movimenta o tempo inteiro... A natureza do homem é reativa, nunca passiva... Deve, portanto, procurar anular a teimosia e a insistência infundada em seus erros... Causas de muito do que o atrapalha em seu desabrochar.

Não devemos nunca existir para um motivo que não nos traz um sentido convincente para a existência, agindo assim nutriremos toda uma cadeia de emoções inúteis que vão da solidão e dependência até a sensação de derrota e depressão - emoções estas que servem somente de obstáculo ao nosso crescimento.

Devemos nos assumir para o mundo! Assumir que invariavelmente somos sozinhos como personalidade pensante, assumir nossa individualidade sem deixar que o ego a contamine com a mesquinharia, arrogância, prepotência e sentimentos menos nobres. Devemos deixar de responsabilizar indivíduos, Deuses, o azar ou a casualidade pela nossa infelicidade e assumir que tudo se deve e decorre apenas pela nossa imobilidade.

Em busca do crescimento, não devemos confundi-lo com evolução... A evolução denota a subida vertical num sistema pessoal ou coletivo pré-estabelecido, é o ganho de um "quantus" que está muito mais associado ao status individual do ser do que ao crescimento em si (a evolução ocorre nos dois sentidos). O ideal seria enxergarmos o crescimento como uma expansão horizontal, que ao invés de sobrepor o lote de valores alheios, contrários ou inconvenientes (como a evolução), agrega, absorve e transmuta, trazendo um amadurecimento comum para todos os envolvidos no processo, acompanhado do desenvolvimento da sabedoria talhada com a paciência, a vivência e trabalho árduo no campo da intimidade.

Mas e mudar? Mudar é necessário para que ocorra o crescimento? Concluo que não... Não há crescimento por mudança... A mudança não é um estopim interessante para se empregar na busca do crescimento, principalmente se não há foco... Uma mudança mal patrocinada configura uma via de contra mão em encontro a própria liberdade, e somente trará decepções... A mudança ocorre como uma conseqüência da busca pelo crescimento, e desta forma será vivenciada tão sutilmente que se tornará imperceptível para o buscador, por quanto, exibir-se-á notória para aqueles que com ele convive.

Cabe um ponto de atenção: A coexistência no âmbito da mudança deve ser repensada, o homem como indivíduo social não coexiste buscando um relacionamento saudável, o padrão de pensamento humano impulsiona o homem a uma coexistência pela necessidade ou obrigatoriedade - seja esta estimulada por um desejo ou pela simples conveniência -, o que cria um cenário de invasão ao alheio, de simbiose parasitária com quem se convive e de impotência no trato com as questões da própria vida. Aonde há fluidez nisso? Onde está a liberdade? Onde se escondeu a auto-realização e o autoconhecimento? Estamos a promover quase que uma "diáspora" dos conceitos que embasam nossa busca por espiritualidade.

Então que aprendamos a coexistir com uma parceria saudável, não só entre nós humanos, mas com tudo que exala vida nesta terra... Que entendamos que não somos metades a formar um inteiro, mas inteiros a somarem encontrando o resultado da fórmula complexa elaborada pela aritmética da teia. Não precisamos uns dos outros para sobreviver, pensar assim é assumir uma inutilidade ou uma impotência que não existe. Somos seres poderosos que mal conhecemos nossas capacidades, devemos caminhar lado a lado buscando apoio nesta longa jornada, respeitando o limite, os desejos, a vontade e a capacidade alheia. Uma coexistência baseada numa troca equilibrada resulta no aprendizado conjunto e num crescimento com raízes tão profundas quanto a profundidade vivenciada nas experiências do grupo.
Não quero que corras à minha frente... Pois sigo somente ao meu coração...
Não quero que corras atrás de mim, pois não há tempo para lhe esperar...
Corra ao meu lado, para que quando olhar para ti eu perceba que ainda não cheguei, seja lá para onde quer que eu vá...
O êxtase e a sabedoria são os pilares da Bruxaria, partindo deste ponto de vista e tendo-os como o objetivo de nossa jornada, que esqueçamos os relacionamentos doentios... Que afoguemos o nosso ego e as emoções que não nos trazem boas vivências... Que tratemos a mudança como uma conseqüência e não a forcemos com superficialidade... Que tenhamos a busca pelo crescimento como um trampolim que nos lance adiante nos mais tortuosos campos de batalha... Que "estagnar" seja uma palavra riscada em nosso dicionário e que a tratemos como uma regressão ao nível da mediocridade.

Finalizando o assunto, nós que nos propusemos a desbravar o caminho da Bruxaria devemos tratar nossa busca por espiritualidade com responsabilidade e carinho, ou estaremos fadados a figurar em nossa vida como um personagem numa peça teatral de um conto de fadas qualquer... Pois uma boa maquiagem, uma túnica vistosa, alguns amuletos, títulos, simbolismos e vivências, por si só não fazem de ninguém um Bruxo.
 
Fonte: http://lontravoadora.blogspot.com/2011/04/bruxaria-tradicional-e-espiritualidade.html

3 comentários:

  1. Excelente texto Lontrinha, sempre cheio de inspiração

    ResponderExcluir
  2. Lontrinha, em qual dos mundos você estava quando teve a inspiração para escrever esse texto? rsrsrsrs
    Parabéns, texto coerente e focado nos nossos propósitos!

    ResponderExcluir
  3. É uma inspiração repentina de Awen eu diria até que um ensinamento de Awen, que me fez olhar para mim mesmo... me derramando numa auto-análise que engloba passado, presente e futuro, não necessariamente nesta ordem.

    ResponderExcluir

Este blog tem conteúdo específico religioso (paganismo tradicionalista), caso não concorde... pelo menos respeite e vá a um blog que se destina a mesma vocação religiosa que acredita.