Tal como acontece a muitas fontes, rochedos, grutas, ruínas, etc., também à Fonte do Crasto, em Navais, anda associada a tradição da Moura Encantada. Situada a nascente da Estrada Nacional nº 13, esta construção foi durante séculos o único ponto de abastecimento de água do lugar. Demitida desta ancestral função viu-se duplamente penalizada; sofreu o abandono “físico” e até o esquecimento no imaginário popular da memória concreta da lenda a ela associada. Hoje para a maioria das suas gentes a recordação da Moura Encantada* é muito ténue, a exemplo destes versos cantados pelo Grupo Folclórico de Navais:
“No tempo dos meus avós
Já a minha avó me contava
Que havia lá um tesouro
E uma moura encantada”
Implacáveis, os Tempos Modernos “mataram” a Moura ferindo-a na sua própria essência, foi apagada do Maravilhoso Popular, do qual era uma das mais poéticas criações. Agora só lhe resta trocar de refúgio, recolhendo-se às páginas dos livros.
A nível nacional era grande a variedade de relatos: um dos mais característicos era o do homem abordado por sedutora mulher de longos cabelos dourados que lhe propunha a passagem, no dia seguinte, para contactos eróticos em troca de objectos preciosos por ela guardados. Se o interpelado acedesse ao convite encontraria uma cobra a quem deveria beijar. Como a quebra do compromisso ou o medo no momento parecia afectar todos os “candidatos a desencantadores de Mouras” as fabulosas riquezas continuavam uma miragem inalcançável. A Moura Encantada assumia, portanto, duas formas: a de cobra e a de gentil donzela que prometia tesouros e riquezas inesgotáveis àquele que lhe quebrasse o fadário.
A esta lenda andam associadas, sobretudo, duas vertentes: a de divindade ou génio feminino das águas (fontes, rios, ribeiros, poços, etc.) e a de guardadora de tesouros encantados. Uma particularidade interessante era a sua paixão pelo leite, o que se explica pela confusão entre as mouras e as cobras, sob cuja forma apareciam. Está “arreigado no nosso povo a crença de que quando há uma criança de mama que está magra, é porque de noite uma cobra vem mamar no peito da mãe, metendo o rabo na boca da criança para a enganar. Também se crê que para apanhar uma cobra basta colocar no sítio onde ela costuma aparecer, um alguidar de leite” (1). Outro elemento curioso era o que supostamente ocorria na noite e madrugada de S. João, momento em que a moura se libertava e, em figura humana, vinha pentear os seus cabelos de ouro.
Para os etnógrafos a esta lenda caberia a função de sacralizar a terra e o trabalho agrícola. A Moura personifica a Mãe Terra e a cobra apresentada como um animal solidário da mulher. Da combinação destas duas simbologias resultaria a valorização do trabalho agrícola (as riquezas douradas da Moura eram ancinhos, cavalos, bois, etc.) e revelar-se-ia o poder da mulher na agricultura.
A identificação de “Moura” como feminino de mouro é errónea. Convém lembrar que os muçulmanos nunca chegaram a dominar o norte do país e era precisamente aquique mais se encontrava implantado este mito. A origem, embora difícil de determinar com segurança, deve-se procurara noutra área: Moira (termo grego) era o nome dado às deusas tecedeiras. Também se pode aproximar a palavra moira de Mairas, dos antigos Germanos, ou ainda de Morgana ou Muriguen, deusa celta.
Mª Jesus (1) Pedroso, Consiglieri – Contribuições para uma mitologia popular portuguesa e outros escritos etnográficos, Lisboa, Dom Quixote, 1988, p. 223
Esta lenda eu já tinha escutado, mas não se referindo a este local, exatamente como é falado no texto... interessante como as mouras são citadas tão abrangentemente!!!
ResponderExcluirHum... humn... hum... interessante...rs pra mim, muito interessante: cobra.... água... fonte... Peças para meu quebra-cabeças-caminho. Adorei esse texto e saber desta lenda.
ResponderExcluirConhecia a lenda das Mouras e também da cobra que mamava e impedia que a criança se nutrisse mas não sabia que havia uma associação entre as duas lendas! Interessante!!!
ResponderExcluirGosto mto de saber estas lendas, elas são um sinal de tradição, que, infelizmente vemos sendo perdida neste mundo globalizado que está ficando tão indiferente à tudo e à todos
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